O Brasil sedia nesta quarta-feira (23) e quinta (24) um encontro
entre países, empresas, grupos técnicos e acadêmicos para discutir quem
“manda” na internet e qual deve ser a extensão desse poder.
Representantes de mais de 90 nações, entre eles 27 ministros, debaterão
no NETMundial a chamada “governança de rede”, para propor uma carta de
princípios sobre questões técnicas como domínios de rede (“.com” e
“.br”), e socioculturais, como privacidade e liberdade de expressão.
Realizado em São Paulo, o evento terá a participação da presidente
Dilma Rousseff, que deve abordar a aprovação do Marco Civil da Internet,
feita no Senado Federal na noite de terça-feira (22). O documento é
considerado uma espécie de Constituição para o uso da web no país.
O encontro também vai destacar o caráter “libertário” da rede.
“Grande parte da infraestrutura da internet foi construída por softwares
que, em algum momento, poderiam ser considerados intrusos ou
indesejados”, afirmou Marcos Mazoni, diretor-presidente do Serviço
Federal de Processamento de Dados (Serpro), em referência a serviços de
software livre como Mozilla e Apache.
Atualmente, as especificações técnicas da web são discutidas e
desenhadas por grupos dentro do corpo de influência do governo dos
Estados Unidos. A principal delas é a Corporação de Atribuição de Nomes e
Números na Internet (Icann, na sigla em inglês), uma entidade privada
sem fins lucrativos que decide sobre nomes e domínios na rede, mas é
supervisionada pelo Departamento de Comércio americano e não tem
representes de outros países em seu conselho.
Essa falta de diversidade para gerir os destinos da internet é o
tema que permeará os quatro painéis do NETMundial, para os quais foram
atraídas personalidades da rede como o “pai” da World Wide Web; Tim
Berners-Lee; o presidente da Icann, Fadi Chehadé; e o vice-presidente do
Google e criador do protocolo TCP/IP (fundamental para a web
funcionar), Vint Cerf.
Para o presidente do NETMundial, Virgílio Almeida, a saga do Brasil
e de outros países latinos, como o Peru, para barrar o domínio
“.amazon” – pedido pela empresa de comércio eletrônico Amazon – é um
exemplo da concentração de poder. A Icann permitiu, em 2011, que
companhias pedissem domínios diferentes dos comuns “.com” e “.org” e
pudessem ser “.qualquercoisa”.
Para impedir que uma empresa registre um domínio com o nome de uma
região geográfica, os países que não têm assento no conselho devem
recorrer e esperar que o pedido seja aceito. “Isso mostra que essa
entidade privada dos EUA tem um papel muito grande, o que sempre
incomodou o Brasil”, afirmou Almeida, que também é secretário de
política de informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Os EUA já deram o primeiro passo e informaram que, em 2015,
deixarão o controle da Icann, cuja sede será transferida da Califórnia
para a Suíça. O país, no entanto, só aceita passar o bastão para uma
entidade multissetorial, composta pela sociedade civil e por grupos
técnicos, sem a sobressalência de uma nação sobre as demais.
Após as revelações de que o governo americano mantinha um programa
maciço de monitoramento cibernético, temas como liberdade de expressão e
de associação e privacidade na rede foram incluídas na questão da
governança. Para Almeida, um dos pontos críticos dos debates no
NETMundial será justamente se, além das especificações técnicas, essas
discussões devem ser realizadas. Outra questão importante é a manutenção
do caráter multissetorial da governança da rede em todos os campos. A
questão da segurança, por exemplo, pode ser uma das áreas em que seja
necessária a presença dos países.
Segundo o presidente do evento, o encontro proporá ao final uma
carta de princípios que deverá servir como base para outras nações e
discussões futuras, mas sem força de lei. Almeida explica que temas como
liberdade de expressão, já assegurados por lei no Brasil, podem ser
importantes para outros países. “Se você olhar de forma comparativa, os
acordos sobre meio ambiente ocorrem dessa forma, mas paulatinamente. A
velocidade da internet é mais rápida.”
G1
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