A permanência de Diego Cavalieri no Fluminense ficou em xeque em 2015. A incerteza sobre a continuidade da patrocinadora emperrou as negociações, que se arrastaram por cinco meses. Definida a saída da Unimed, em 10 de dezembro, a diretoria e o goleiro precisaram de dois dias para chegar a um acordo. Diego ficou. O contrato de quatro anos era um desejo do jogador e foi firmado, mas dentro da nova realidade financeira do clube, que perdeu poder de investimento.
- Claro que você fica um pouco tenso, um pouco preocupado. O tempo se arrastou. Fiquei feliz com o acerto, era o que eu queria também.
Diego Cavalieri renovou contrato com o Fluminense por mais quatro anos (Foto: Richard Souza)
Ao lado de Fred, Conca e Wagner, o camisa 12, que tem 32 anos, continua sendo destaque do grupo tricolor. Um plantel que passou por muitas mudanças na virada do ano. Jogadores importantes saíram e foram substituídos por apostas.
- Às vezes, você tem um grupo de extrema qualidade, mas um grupo que não dá liga, não rende, o ambiente de trabalho é horrível, muita vaidade, muita briga. Às vezes, você tem um grupo que não tem tantos jogadores, mas é voluntarioso, dedicado, comprometido.
Em entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com em Orlando, nos Estados Unidos, local da pré-temporada do Fluminense, Diego analisou o momento do clube, falou dos planos que ainda pretende realizar nas Laranjeiras e da frustração por ter ficado fora da Copa do Mundo. Comentou também a relação com a torcida, que ano passado chegou a atirar moedas nele e a chamá-lo de mercenário.
- Foi um fato isolado, que me chateou muito, mas não tenho mágoa do torcedor.
Diego Cavalieri em treino do Flu na pré-temporada nos Estados Unidos (Foto: Bruno Haddad / Fluminense)
Confira a entrevista:
A sua renovação se arrastou por meses e você sempre disse que queria ficar no Fluminense, esperou uma definição. Mas houve um momento em que clubes te procuraram. Chegou a achar que ela não ocorreria e que sua passagem pelo clube estava no fim?
A sua renovação se arrastou por meses e você sempre disse que queria ficar no Fluminense, esperou uma definição. Mas houve um momento em que clubes te procuraram. Chegou a achar que ela não ocorreria e que sua passagem pelo clube estava no fim?
Sempre deixei clara a vontade de permanecer no Fluminense. Era o meu desejo. Claro que, por tudo que aconteceu, por tudo que foi exposto, era um processo complicado. Tinha esse negócio de patrocinador e clube, essa dúvida se ia permanecer ou não, investir ou não. Tudo isso fez com que as negociações demorassem um pouco mais. A todo momento foi tudo muito claro da parte do Fluminense e da minha no desejo de renovação. A partir do momento que se resolveu o futuro do clube, da patrocinadora, em dois dias nós resolvemos. Claro que você fica um pouco tenso, um pouco preocupado. O tempo se arrastou. Fiquei feliz com o acerto, era o que eu queria também, por tudo que o Fluminense me proporcionou, a oportunidade de voltar a jogar, de chegar à Seleção, de conquistar títulos. É um grupo fantástico, o pessoal do suporte é maravilhoso. E também poder ficar perto do meu filho, me ajudou muito. Não queria ficar longe dele. Tudo se encaixou, foi do jeito planejado. Agora, é trabalhar firme para poder continuar rendendo e dar alegria ao torcedor do Fluminense.
Você citou que foi um processo complicado. Durante a espera pela negociação, houve um episódio em que torcedores do Fluminense chamaram você de mercenário e atiraram moedas na sua direção em um desembarque após uma derrota. Como foi passar por isso?
Fiquei muito chateado. Mas a torcida não tem culpa de nada, porque eles vão ali, leem o que sai na internet, o que sai no jornal, o que é dito. Não têm noção do que acontece nos bastidores. Quando vazou a notícia (da pedida salarial), a primeira coisa que eu fiz foi ir na sala da diretoria e conversar. Na época era o Paulo Angioni (ex-diretor de futebol). Falei: “Paulo, não estou preocupado com o que sai, com o que é vazado, com número, com nada. Só estou preocupado com uma coisa. Se a gente perder ou se eu falhar, vão me chamar de mercenário”. Ele disse: “não, você está louco. Que isso?! Jamais vão fazer isso". Isso foi numa segunda-feira, depois, na volta de um jogo na outra semana, aconteceu o fato. São coisas do futebol e temos de estar preparados. Torcedor é isso, emotivo, é o clube dele, quer ver o melhor. Foi um fato isolado, que me chateou muito, mas não tenho mágoa do torcedor.
São quatro anos de contrato. Você virou ídolo do clube, conquistou títulos. O que mais busca?
Motivação que eu tenho é acordar e fazer o que eu amo, o que sei fazer. Passei por momento bom no clube sendo campeão (Carioca e Brasileiro de 2012), chegando à Seleção. Passei por momento difícil também, com zona de rebaixamento, tudo aquilo que aconteceu em 2013. É um clube apaixonante, torcida fantástica. O desejo é jogar em alto nível, poder ajudar o grupo e o clube a ser vencedor. Conquistar novamente o Carioca, o Brasileiro. E ir em busca de outros títulos.
Pretende encerrar a carreira no Fluminense com esses quatros anos ou dá para ir além?
Pretendo ir mais, né? (risos). A gente nunca sabe o que vai acontecer. Nunca tive problemas de lesão, me cuido bastante para ter um prazo maior. Se render bem, pode ficar mais tempo. Se puder aumentar o tempo de carreira no Fluminense, será o meu desejo. Espero que seja por mais algum tempo e não só por quatro anos.
A possibilidade da sua saída gerou certo pânico na torcida do Fluminense, que há muito tempo não tinha um goleiro confiável. Você conseguiu perceber isso durante o processo de negociação?
Realmente a torcida do Fluminense é muito exigente. Conversando com pessoas que passaram por aqui eu tinha uma noção. Depois, jogando, tive a noção exata do que representa jogar num clube com o peso da camisa como o Fluminense. Sempre fui um cara tranquilo, reservado, na minha. Às vezes, tinha contato com um torcedor ou outro, perguntavam, eu não sabia o que responder. Mas sempre incentivaram. Vi muito carinho do torcedor, muita coisa boa. Isso me deixou muito feliz e motivado. Recebi muito apoio.
Sobre o seu 2014. O quanto doeu ficar fora da Copa do Mundo? Você entrou na lista dos sete suplentes, mas havia feito parte do grupo campeão da Copa das Confederações. Conseguiu entender sua ausência?
É dolorido. Fiz parte de um processo, tive convocações, na Copa das Confederações. Tinha a possibilidade de ir, como acabei ficando na lista dos sete. Estava com expectativa, não deu certo. Claro que dói. É doloroso, mas eu fiquei mal dois dias, cara. Mal porque carrega uma responsabilidade, um desejo seu e de várias pessoas que convivem com você. Família, amigos, muitas pessoas mandavam mensagens sobre ir para a Copa. Não é só você envolvido. Mas fui para casa, fiquei no meu quarto pensando, analisando. Cara, eu fiz o que tinha que ser feito. Trabalhei, me dediquei, busquei. Não deu certo. Não era para eu ir, e quem foi também teve muito mérito. Isso me confortou, me acalmou. Depois de dois dias, foi página virada. Torci muito pela Seleção na Copa. Foram dois dias de dor. Quem foi estava e sempre esteve em excelente fase, que era o Julio César, o Jefferson e o Victor, que acabou brigando comigo diretamente. Foi merecedor de estar na Copa. A vida seguiu. Tinha que jogar, treinar, não podia parar ali.
Alguns dos principais momentos do goleiro com a camisa do Flu (Foto: Flickr do Fluminense)
Quem tem caixa para jogar mais quatro anos no clube ainda pensa em Seleção?
Claro! A Seleção passa por renovação, tem excelentes goleiros. Eu e Jefferson temos praticamente a mesma idade, o Jefferson está sendo sempre convocado. Tem muita coisa ainda que posso fazer, que posso dar ao futebol. É um desejo que tenho, um sonho. Vou fazer meu trabalho e, se estiver bem, quero voltar.
Sobre o 2014 do Fluminense. Foi um ano estranho, né? O time brigou por vaga na Libertadores no Brasileiro, mas teve duas eliminações duras, na Copa do Brasil e na Sul-Americana. E além disso os bastidores ferveram com as polêmicas. Como foi viver esse ano logo depois de um 2013 tão difícil?
A gente às vezes passa por experiências em que temos que tirar lição. Vínhamos de um 2013 muito complicado, sabíamos que em 2014 o olho do futebol brasileiro estaria voltado para nós. Por tudo que aconteceu no fim de 2013, tínhamos essa consciência. Estávamos com problemas internos. Eram coisas vazando, coisas sendo ditas na imprensa. Tivemos oscilações. Brigamos até a penúltima rodada por vaga na Libertadores, mas tivemos eliminações duríssimas na Copa do Brasil e na Sul-Americana. É difícil explicar, mas foi um ano de muito orgulho. Diante de todas as dificuldades que nós tivemos, e foram muitas, nós terminamos de forma boa, mostrou-se um grupo fantástico, unido, de qualidade. Por isso brigamos pela Libertadores até o fim. Hoje é uma outra realidade, uma outra situação. Teremos tranquilidade para trabalhar e fazer um 2015 melhor que 2014.
A realidade financeira do clube mudou, alguns jogadores ainda estão sem receber do ex-patrocinador e isso faz parte do ambiente do grupo. O quanto tem atrapalhado?
A nossa mudança no elenco é grande. São jogadores de qualidade, jogadores experientes ficaram, vão dar suporte aos que chegaram e aos que subiram da base. E a manutenção da comissão técnica foi fundamental para dar uma sequência nesse novo processo. Em relação a patrocinador, parte financeira, tudo indica que o futebol brasileiro irá mudar. Uma mudança brusca no elenco requer um processo mais cauteloso, com tempo. A comissão já tem um plano traçado, vai nos ajudar muito.
Há pouco tempo perguntavam se você ia ficar. Hoje, perguntam se Fred, Conca e Wagner vão ficar. Essa incerteza tumultua o ambiente?
Gera um pouco (de incerteza). Ver especulação ali, possibilidade de um ir para lá, outro para cá. São jogadores de extrema qualidade, importantes no grupo. Você perder qualquer jogador desse num processo de reformulação que estamos tendo dificulta muito mais o trabalho. Isso gera ansiedade, preocupação. Mas é parte de cada um, cada jogador tem que ver o seu lado. O clube também analisa o lado dele. Espero que todos fiquem e nos ajudem nesse processo. São extremamente importantes.
Você viveu uma realidade no Fluminense de vacas gordas. Grandes reforços contratados, salários altos, investimento de sobra. E agora o clube tem uma estratégia modesta, contratou apostas. Como é enfrentar essa mudança?
Às vezes, você tem um grupo de extrema qualidade, mas um grupo que não dá liga, não rende, o ambiente de trabalho é horrível, muita vaidade, muita briga. Às vezes, você tem um grupo que não tem tantos jogadores, mas é voluntarioso, dedicado, comprometido. Eu vejo com bons olhos, com grande expectativa e poder fazer um excelente 2015. Para se chegar num clube como o Fluminense, jogador tem que ter qualidade. Estou muito tranquilo, tenho certeza que com o empenho de todos poderemos fazer um bom 2015 e superar a expectativa de muita gente (risos).
Uma curiosidade: no dia da reapresentação para a pré-temporada, eu cheguei nas Laranjeiras antes das 8h e você já estava com roupa de treino. Sempre é o primeiro a chegar? Alguma vez já encontrou o clube fechado?
(Gargalhadas) Já cheguei algumas vezes antes de todo mundo e tive de esperar um pouco. Os goleiros do Fluminense trabalham um pouco mais cedo. Como moro longe tenho que chegar um pouco mais cedo também. Para evitar o trânsito, saio cedo mesmo (risos). Sempre fui assim, o despertador nunca falhou. Sempre foi meu estilo isso. Eu gosto do que faço, não tem problema madrugar. Faço muitos trabalhos antes.
Globo Esporte
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