Ceo do Vaticano; Papa promove choque de gestão na Igreja

Igreja Católica vivia um momento conturbado quando, em março do ano passado, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi escolhido como o seu representante máximo, com o nome de papa Francisco. Denúncias de corrupção financeira e escândalos de pedofilia haviam abalado a imagem da Igreja, que perdia fiéis e, por consequência, poder econômico e político. Mais do que um líder espiritual, o que a instituição necessitava era de alguém capaz de dar conta de tarefas à altura de um CEO de uma grande corporação. Era necessário um choque de gestão. Nesse sentido, o santo padre não vem decepcionando.
Sua atuação à frente da maior igreja cristã do mundo está sendo revolucionária. Ao abordar questões consideradas tabus para os católicos, como a homossexualidade e o divórcio, o atual ocupante do trono de São Pedro conseguiu dar uma nova luz à combalida imagem da instituição, de mais de dois mil anos de história, e aumentar a confiança dos fiéis. Com seu lema “uma Igreja pobre a serviço dos pobres” e seus hábitos humildes, Francisco também está colocando em ordem as finanças da Igreja, adotando políticas de austeridade e transparência que modernizaram a gestão do até então impenetrável Banco do Vaticano, também conhecido em Roma como Instituto para as Obras da Religião (IOR).
O choque de gestão de Francisco teve início logo que o jesuíta, o primeiro membro da ordem fundada por Inácio de Loyola eleito pontífice da Igreja, assumiu o posto. Gestos simples como o pagamento de sua própria estadia no Vaticano e o fato de se negar a usar artefatos de ouro deram o tom do que se seguiria nos próximos meses. Seu desafio à frente da Igreja Católica, que possui mais de 1,2 bilhão de seguidores no mundo, não era pequeno. Como uma empresa que tinha uma posição dominante no mercado, mas passou a enfrentar uma concorrência mais acirrada, os católicos demoraram a reagir diante do avanço de outras religiões, aqui e lá fora.
Segundo dados do IBGE, na última década, o número de fiéis ao catolicismo encolheu 12% no Brasil. Já os evangélicos cresceram 44% no mesmo período. Isso se deve, em grande parte, a descaminhos tanto financeiros quanto de imagem da Igreja Católica. Denúncias de corrupção no Banco do Vaticano passaram a ser rotineiras no Palácio Apostólico, a moradia oficial dos papas desde o século XIV. Além disso, a omissão da instituição, sobretudo no reinado de seus dois últimos antecessores, João Paulo II e Bento XVI, diante das conhecidas e comprovadas denúncias de atos de pedofilia cometidos por membros do clero afetava ainda mais a imagem já desgastada dos católicos.
Para completar, o discurso conservador contra homossexuais e contra a utilização de preservativos, por exemplo, afastava novos fiéis. A gestão do papa Francisco está solucionando alguns desses problemas. Uma de suas ações é considerada por muitos um verdadeiro milagre. Francisco abriu os números do Banco do Vaticano, uma instituição financeira até então envolta em mistérios e lendas. Seu primeiro balanço publicado, referente ao ano de 2012, reportou um lucro de € 86,6 milhões e ativos de € 7 bilhões. No ano passado, por falhas de gestão e reflexos dos antigos escândalos, o lucro despencou para € 2,9 milhões, o que causou a demissão do então presidente, o alemão Ernst von Freyberg, substituído pelo francês Jean-Baptiste de Franssu, em maio deste ano.
“As políticas de austeridade e transparência causaram um grande impacto na sociedade”, afirma o padre Érico Hammer, professor de teologia da PUC-RS. “Será difícil a Igreja voltar atrás nesse tipo de discurso.” Mais do que as mudanças nas finanças da instituição, Francisco passou a abordar dilemas morais, assuntos antes intocáveis para as antigas gestões. Em conversas restritas, o papa admitiu a intenção de dar mais espaço às mulheres na Igreja Católica. O primeiro passo foi a nomeação de Mary Ann Glendon, ex-embaixadora dos Estados Unidos no Vaticano, para um dos cargos na comissão especial de inquérito que investiga as irregularidades do Banco do Vaticano.
O tom do discurso adotado pelo papa surpreendeu alas conservadoras da Igreja. Entre as declarações mais polêmicas está a abertura das portas para os homossexuais. “Se uma pessoa é homossexual e procura Deus, quem sou eu para julgá-la?”, disse Francisco. Em outubro, após o encontro de 200 bispos no Sínodo Extraordinário sobre a Família, a Igreja Católica declarou que “os homossexuais têm dons e atributos para oferecer à comunidade” e que a instituição deve se desafiar a encontrar “um espaço fraterno”. Outro grupo de pessoas antes desprezado e que vem ganhando corpo nas conversas é o de divorciados.
“O papa encontrou uma forma de se aproximar dos grupos renegados sem causar ruptura com os princípios católicos”, diz Jaime Troiano, consultor de branding e mestre em sociologia da religião pela Universidade de São Paulo. “A Igreja percebeu que tinha de melhorar a imagem e que não precisava ser carrancuda.” Os resultados da gestão revolucionária do papa argentino já estão aparecendo. Na América Latina, região com maior número de católicos do mundo, o índice de confiança da população na Igreja Católica aumentou de 69% para 78%, segundo a ONG chilena Latino-barometro.
“O carisma do papa também pode ajudar a diminuir o ímpeto do crescimento evangélico no Brasil”, afirma Troiano. “Os católicos precisavam de um líder carismático.” E a atenção com o Brasil, com cerca de 115 milhões de fiéis, deve ser redobrada. Segundo dados da Receita Federal, as igrejas brasileiras arrecadam por volta de R$ 21,5 bilhões anuais, 70% dessa dinheirama por meio de dízimos e doações. O mercado gospel, com produtos como discos e livros de religiosos, movimenta outros R$ 15 bilhões. Reconquistar espaço em seu maior mercado é mais uma missão do CEO do Vaticano.

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