Diariamente, 600 milhões de litros de esgoto são despejados na Bacia do Paraíba do Sul


A poluição industrial é outra vilã. A bacia do Paraíba do Sul, que abrange 184 municípios, conta com 7 mil indústrias e cerca de 6 mil pequenas, médias e grandes fazendas. Maior poluidora em potencial, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) assinou em 2010 um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Inea, estabelecendo obrigatoriedade de investir R$ 260 milhões em compensações ambientais. O Inea não informou se todas as ações foram cumpridas.

Casa fincada às margens de um valão de esgoto que, volta e meia, despeja até sofás e geladeiras no Rio Paraíba do Sul, Waldemiro Brás, de 65 anos, morador do bairro Siderlândia, em Volta Redonda, reclama da falta de consciência de seus vizinhos. Relata que “o pessoal joga de tudo no valão". Se pegasse um barquinho e percorresse boa parte dos 1.150 quilômetros de extensão do rio que corta São Paulo, Minas e Rio, o aposentado ficaria ainda mais perplexo. De acordo com estimativa de engenheiros da Coppe/UFRJ, feita a pedido do GLOBO, diariamente são jogados 600 milhões de litros de esgoto doméstico em toda a bacia do Paraíba do Sul. É o equivalente à geração de dejetos de uma cidade de 3 milhões de habitantes — metade da população da cidade do Rio. O cálculo exclui a bacia do Gandu, uma transposição do Paraíba feita na década de 1950.
Principal contribuição dessa poluição, os rejeitos residenciais ainda representam um enorme desafio aos gestores públicos, como mostra a terceira reportagem da série “O rio da cobiça". Apresentado há sete anos pela Fundação Coppetec/UFRJ, o Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Paraíba do Sul estima que Rio, Minas e São Paulo deveriam investir R$ 4,4 bilhões em duas décadas (valores atualizados) — R$ 220 milhões por ano — para melhorar a situação ambiental. A pecuária aparece como a segunda atividade que implica perda da qualidade das águas.
Nos últimos anos, reconhece a engenheira ambiental e ex-presidente do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Marilene Ramos, quase nada foi feito para reverter o grave quadro:
— De 2007 para cá, acredito que cerca de 3% do apontado como necessário tenham sido efetivamente investidos em saneamento, reflorestamento, recuperação de matas e rios. O desafio continua.
Combustível para a proliferação de cianobactérias — micro-organismos que podem gerar toxinas nocivas à saúde humana — elementos como nitrogênio e fósforo são despejados em doses cavalares, do início ao fim do rio e seus afluentes. A presença dessas cianobactérias no reservatório de Funil, em Itatiaia, no Sul Fluminense, preocupa pesquisadores. Com área de 40 quilômetros quadrados, Funil recebe toda a carga poluente da bacia vinda do território paulista. O reservatório foi construído por Furnas em dezembro de 1969. A água liberada pela Usina Hidrelétrica de Funil define as condições de qualidade das águas do Paraíba que chegam a 12,34 milhões de pessoas, somente em território fluminense.
Em tese de Doutorado em Ciências do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ, a pesquisadora Maria Isabel Rocha aponta para o risco de contaminação de moradores locais.
— Com a estiagem, há diminuição da coluna d’água da represa, o que favorece a reprodução das cianobactérias. Há impacto direto a pescadores da região. Muitas análises associam as toxinas liberadas por esses micro-organismos a tumores de fígado. Crianças que nadam na água do reservatório correm risco maior — diz a pesquisadora, ressaltando a necessidade de melhoria no tratamento de esgoto em cidades do Vale do Paraíba paulista, como Jacareí, São José dos Campos, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Cruzeiro e Lavrinhas.
O descaso se reflete em sucessivas agressões à vida aquática. Desde 2003, foram registrados seis grandes desastres ambientais com derramamento de poluentes no Paraíba do Sul, sendo cinco em território fluminense. O pedreiro e pescador nas horas vagas Reginaldo Raimundo da Silva, de 49 anos, morador de Barra Mansa, lembra-se bem do estrago feito há seis anos pelo derramamento de 7,9 mil litros do produto químico endosulfan, da indústria Servatis, em Resende, causando mortandade de peixes, jacarés e capivaras ao longo de mais de 400 quilômetros na bacia. Até hoje, pescadores aguardam por indenização. A biodiversidade não se recuperou totalmente, lamenta Raimundo:
— Quem mora na beira do rio sabe que o principal problema é o esgoto. Dizem que tratam, mas a gente percebe que não é bem assim.
DE 90 ESPÉCIES DE PEIXE, PELO MENOS 5 ESTÃO AMEAÇADAS
A natureza costuma surpreender pela sua capacidade de driblar dificuldades, e no Rio Paraíba do Sul não é diferente. Resistem na bacia hidrográfica 90 espécies diferentes de peixe, embora as concentrações de poluentes e as barragens já ameacem de extinção cinco delas com alto valor comercial — grumatã, piabanha, pirapitinga, caximbau-boi e surubim-do-paraíba. De acordo com a ONG Projeto Piabanha, com sede em Itaocara, no Noroeste Fluminense, estão registrados 1.643 pescadores artesanais, embora a estimativa seja de que o número total seja de 2,5 mil pescadores. Das águas do Paraíba do Sul são retirados de 114 mil a 440 mil quilos de pescado por semana, principalmente da área com maior abundância de pesca, que vai de Além Paraíba (MG) à foz, em São João da Barra (RJ), trecho com vazão mais contínua e com menos esgoto.
O geógrafo Luiz Felipe Daud, diretor do Projeto Piabanha e mestrando em engenharia urbana e ambiental pela PUC-RJ, enxerga um enorme potencial na exploração da pesca esportiva em trechos no Norte e Noroeste Fluminense. Ele critica a falta de estatísticas oficiais sobre os volumes de estoques pesqueiros no Estado do Rio.
— Não há um monitoramento contínuo, o que dificulta as ações de preservação. As dezenas de barragens para geração de energia hidrelétrica causam enormes impactos na pesca — sublinha o especialista, defendendo ações que unam ecoturismo e conservação:
— A pesca esportiva, baseada na captura e devolução do peixe ao rio, movimenta bilhões de reais nos Estados Unidos e tem um altíssimo potencial no Baixo Paraíba do Sul. Não dá para entender a falta de políticas públicas de incentivo à atividade.

O Globo 

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