Bastaram dez minutos de brincadeira em uma cama elástica para que a pequena Maria Luíza Medeiros, de 8 anos, ficasse 49 dias de molho, com a perna engessada. Ao cair de mal jeito após um salto, a menina quebrou a tíbia (osso da canela) esquerda. Adorado pela criançada, principalmente em época de férias, o equipamento pode até parecer inofensivo, mas traz risco de lesões musculares, entorses e fraturas.
Dados da Academia Americana de Pediatria mostram que até 75% dos acidentes em cama elástica, também conhecida como pula-pula, se dão quando várias pessoas estão saltando ao mesmo tempo. Além disso, 48% ocorrem com crianças abaixo de 5 anos.
De acordo com o ortopedista pediátrico Daniel Furst, do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), as fraturas ocorrem principalmente nos braços, nas pernas, nos punhos e nos cotovelos. Traumas de face são menos comuns, mas de maior gravidade: eles acontecem, em geral, quando uma criança sofre uma queda e fica com o rosto exposto e, então, outra cai por cima dela.
Sobrecarga muscular
Como exige trabalho muscular intenso, brincar no pula-pula ainda pode gerar desconforto nas pernas. Segundo o ortopedista e traumatologista pediátrico Cláudio Santili, as dores se devem à fadiga muscular provocada pelos movimentos repetitivos, feitos por períodos prolongados.
— Se os pequenos exageram, a musculatura fica sobrecarregada e pode até haver impacto ósseo. Também existe o risco de entorses nas costas, quando a coluna faz contrações para se defender dos movimentos — explica o médico, da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBPT) e da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Depois de dias seguidos de brincadeira na cama elástica, Bernardo Senna, de 3 anos, acabou na mesa de cirurgia. Mãe do menino, a consultora de beleza Andréa Goeth, de 31 anos, notou um inchaço na bolsa testicular dele. Exames detectaram uma hérnia.
— Os médicos disseram que, provavelmente, o esforço abdominal feito no pula-pula acentuou a predisposição que ele tinha para o problema — conta Andréa.
Para Mariana Barros, de 2 anos, a diversão resultou em uma lesão muscular na perna, após cair de mal jeito.
— O ortopedista me deu um puxão de orelha, por deixá-la brincar nessa idade. Até os 3 anos, os ossos são frágeis e a possibilidade de fratura é maior — lembra a promotora de vendas Andreia Reis, de 39 anos, mãe de Mariana.
Sem radicalismos
Apesar dos perigos, especialistas garantem que não é preciso ser radical e proibir a diversão da criançada, mas cuidados são necessários.
— É uma atividade lúdica que não deve ser eliminada. Basta praticá-la com moderação — orienta Santili.
— É óbvio que todo esporte traz seus riscos. O futebol, por exemplo, é ainda mais traumático. Brincar na cama elástica é uma atividade perigosa mas que não precisa ser deixada de lado se for bem fiscalizada — completa Furst.
Pai de Júlio César, de 9 anos, o autônomo Gilson Cândido da Silva, de 44, não sai de perto do filho quando ele pede para entrar no pula-pula.
— Sei que existe o risco. Mas criança não tem noção do perigo, ainda mais quando está se divertindo. Se eu o deixo à vontade, as chances de algum acidente acontecer aumentam — diz Gilson.
‘Ela não está 100%, ainda está mancando’
Em setembro, Maria Luíza Medeiros subiu no pula-pula, em uma festa, e já desceu gritando.
— Fomos ao hospital, e o primeiro diagnóstico foi de torção no joelho. Ela colocou gesso e, quando voltou para tirar, não conseguia pôr o pé no chão. Um novo exame mostrou que havia uma fratura na tíbia. Foram seis semanas de gesso, ao todo. Ela não está 100%, porque ainda está mancando, mas o médico disse que não vai precisar de fisioterapia. Por conta disso, Maria Luíza ficou traumatizada: fomos a uma festa em novembro e ela nem quis chegar perto do pula-pula — conta a promotora de vendas Fernanda Medeiros, de 38 anos, mãe de Maria Luíza.
Já Maria Victoria Scarpa, de 4 anos, se machucou durante a própria festa de aniversário, em abril de 2013. Para a mãe da menina, a secretária Aline Scarpa, de 35, falta divulgação sobre os perigos da cama elástica.
— Alugamos um pula-pula para a festa de 3 anos da Maria Victoria. Ela estava brincando, caiu sobre o braço, e outra criança ainda caiu por cima dela. Minha filha já saiu com o braço encolhido, chorando. Cantamos o parabéns logo e fomos para a emergência. Os médicos fizeram exame de raios-X e viram que ela não tinha fratura, só uma lesão muscular do ombro até o antebraço. Foram três ou quatro dias sem esticar o braço e dez de tratamento com anti-inflamatório e gelo — lembra.
Diversão com segurança
- O primeiro cuidado a tomar é não deixar crianças muito pequenas entrarem no pula-pula. Para Daniel Furst, a brincadeira não é adequada para menores de 5 anos, por conta do equilíbrio exigido para os saltos.
- É importante que haja uma pessoa monitorando o uso do equipamento. A situação ideal é uma criança pular na cama elástica de cada vez. Ou, no máximo, uma dupla de pequenos, defende Furst.
- Só podem saltar juntas crianças de idades e pesos parecidos. Quando os biotipos são muito diferentes, quem é mais leve acaba sendo lançado para mais longe pelo pula-pula, o que aumenta o risco de acidentes.
- Verificar o estado da cama elástica — se há barreiras de proteção, se as molas estão encapadas e se existem vãos que facilitem as quedas — é essencial. Procurar saber se o fabricante do equipamento é uma empresa registrada também é tarefa dos pais.
- Quando alguma lesão ocorre durante a brincadeira, na maioria das vezes, a dor é imediata. Ao notar algo errado, os pais devem levar a criança a uma emergência pediátrica. É preciso ficar atento, pois quadros mais leves podem causar apenas inchaço e queixas no fim do dia ou no dia seguinte.
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