Aparente cura de dois homens
portadores de HIV graças a um fenômeno natural abre perspectivas
interessantes nas buscas pela cura da Aids, revelou nesta terça-feira um
estudo científico.
Este fenômeno natural permite ao organismo infectado integrar o vírus no DNA, neutralizando-o.
Os dois pacientes em questão estavam infectados com o HIV sem
nunca terem estado doentes, nem terem uma quantidade detectável de vírus
no sangue, segundo os autores do estudo, cujos resultados estão
detalhados na revista especializada Clinical Microbiology and Infection.
Nenhum deles foi submetido a tratamentos.
"Esta observação é muito interessante e pode representar um
caminho para a cura" da Aids, explicou à AFP Didier Raoult, professor da
Faculdade de Medicina de Marselha (França), co-autor do estudo com
outra equipe francesa liderada pelo professor Yves Levy.
A análise realizada graças a tecnologias modernas permitiu reconstituir o vírus encontrado no genoma dos pacientes.
Os pesquisadores conseguiram provar que o vírus foi inativado por
um sistema de interrupção da informação fornecida pelos genes do vírus.
O sistema, denominado "codon-stop" marca o fim da tradução de um gene
em proteína. O vírus torna-se incapaz de se multiplicar, mas permanece
presente no DNA dos pacientes.
Estas interrupções se devem a uma enzima conhecida, o Apobec, que
faz parte do arsenal disponível nos seres humanos para combater o
vírus, mas que normalmente é desativada por uma proteína do vírus.
O trabalho abre perspectivas de cura através da utilização ou da
estimulação desta enzima, e também possibilidades de detecção nos
pacientes recém-infectados, que têm uma chance de cursa espontânea,
segundo os autores do estudo.
Para Raoult, isto poderia conduzir a uma revisão da definição de
cura, que atualmente se baseia unicamente na ideia de desaparecimento do
vírus no organismo.
A infecção pelo HIV de um dos pacientes ocorreu há mais de 30
anos. Aos 57 anos, ele foi diagnosticado com Aids em 1985 e
aparentemente é imune ao vírus.
A soropositividade do segundo paciente, de um chileno de 23 anos,
foi identificada em 2011, mesmo que provavelmente tenha sido infectado
três anos antes.
Nenhum deles apresentava outros fatores de resistência ao HIV
conhecidos (mutações na proteína CCR5, que permite ao HIV infectar as
células).
O estudo baseia-se na suposição de que o vírus da Aids - um
retrovírus que se integra ao DNA humano - teria o mesmo destino que os
centenas de retrovírus já integrados no DNA de mamíferos, incluindo os
seres humanos.
A hipótese também vem da observação de coalas, em que um vírus de
macaco, causador de câncer e leucemia, já não os faz adoecer após a
integração e neutralização do vírus em seu genoma, diz Raoult.
"Nos coalas que se tornaram resistentes a este vírus do macaco
através do mesmo fenômeno de integração ou de endogenização, a
resistência é transmissível aos filhos", ressalta Raoult.
Para os pesquisadores, trata-se de um mecanismo provavelmente
comum em epidemias anteriores. Portanto, é lógico pensar que ocorre a um
certo número de pessoas infectadas com o vírus da Aids.
O estudo, segundo o professor francês Yves Levy, "é uma
observação interessante e uma primeira demonstração, com o vírus HIV, de
algo que a natureza foi capaz de fazer com outros vírus ao longo da
evolução".
AFP
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