Da Copa ao Gre-Nal: Felipão renasce 4 meses após 7 a 1 e 'prova seu valor'

Foram de três a quatro dias de intensas trocas de e-mails e telefonemas, numa agitada ponte virtual entre São Paulo e Porto Alegre. Até que o amigo de todas as horas Ben-Hur Marchiori sorri para um preocupado Fábio Koff:

- Acho que ele vem. 

Foi a senha para o presidente do Grêmio viajar ao encontro decisivo com Luiz Felipe Scolari, que retornaria ao clube do coração 18 anos depois de sua segunda e mais consagradora passagem. E menos de 30 dias após ter sido um dos protagonistas da derrota mais trágica da história da seleção brasileira.

O treinador voltou ao Grêmio para encontrar o carinho despedaçado pelo país após o 7 a 1 da Alemanha. E o devolveu com resultados - às portas do G-4 e com aproveitamento de líder em 19 partidas. Amigos e ex-companheiros consultados pelo GloboEsporte.com são unânimes: Felipão renasceu em quatro meses. E pode sacramentar tal redenção e renascimento no Gre-Nal do próximo domingo, justamente quando completará 66 anos de vida.
De ofertas recusadas a olhos marejados

Neste sábado, farão 120 dias da goleada aplicada pela Alemanha, no inesquecível 8 de julho. O 7 a 1 limou o Brasil da Copa disputada em seu país, na maior goleada sofrida pela Seleção em 100 anos de história. E fez de Felipão praticamente o novo Barbosa, goleiro principal culpado pelo fracasso de 1950, no primeiro Mundial disputado em solo brasileiro. 

- Nos sentimos envergonhados pelo placar. O 7 a 1 deu aquela conotação de que quem está ali não sabe nada. Eu acho que não é o caso, te garanto que, se a gente tivesse perdido por 1 a 0, e depois conseguisse o terceiro lugar, o Felipe ainda estaria na Seleção, pois seria a continuidade no trabalho. Tínhamos um ano e meio de trabalho contra oito anos da Alemanha - defende Paulo Paixão, preparador físico da Seleção na Copa.

Por falar em trabalho, Felipão não planejava voltar à beira do campo ainda em 2014. A ideia inicial era curtir o nascimento do neto e viajar com a esposa Olga pela Europa. Houve propostas de vários continentes, inclusive de seleções. Todas rechaçadas. 
Felipão Scolari comemoração gol jogo Brasil x Croácia (Foto: Reuters)
Paixão ao lado de Felipão na Copa (Foto: Reuters)
Nos sentimos envergonhados pelo placar. Mas que aconteceu na Copa, cara, aconteceu. Hoje, o Grêmio é a sua casa, deu a chance de mostrar o valor que ele tem
Paulo Paixão
Mesmo avesso ao recomeço instantâneo, Felipão sabia que, na menor turbulência por qual passasse o Grêmio, seu nome seria aventado para assumir o time. O convite, portanto, não pegou seus amigos mais próximos de surpresa. O “sim”, talvez.

- Ele sabia que a qualquer momento de turbulência no Grêmio o nome dele seria lembrado. Surpresa talvez pelo tempo - cogita Paixão. - O Grêmio é a sua casa, deu a chance de mostrar o valor que ele tem. O que aconteceu na Copa, cara, aconteceu. Não conseguimos executar da melhor maneira. Ninguém pode apagar aquela estante cheia de medalhas. Nós não estamos desdenhando. Mas de 1993 a 1996 não ganhamos tudo? Ganhamos.

Paixão se refere à segunda passagem de Scolari pelo Grêmio, com títulos da Copa do Brasil, Brasileiro e Libertadores. Na ocasião, o treinador conheceu Ben-Hur Marchiori, então responsável pela base do clube. Tornaram-se grandes amigos. 
Felipão volta ao Grêmio (Foto: Reprodução/Grêmio)Felipão emocionado em seu retorno ao Grêmio, no fim de julho (Foto: Reprodução/Grêmio)
- O presidente Fábio Koff estava com dificuldades, acionou e conversei. Disse que ele não precisava provar nada para ninguém, só que a imagem dele que estava arranhada. Mas reafirmei que aqui tem verdadeiros amigos e que seria bem recepcionado - conta.
Ben-Hur tinha razão. Felipão desembarcou em Porto Alegre na manhã nublada de 30 de julho e, já no aeroporto, sentiu na pele a primeira dose de carinho. Como se sentisse saudade do afago coletivo, não se preocupou com o relógio para atender os fãs espremido na grade que apartava a pista do Salgado Filho do contato com os pedestres. Os olhos marejaram ao ingressar na van que o levaria à entrevista coletiva na Arena.

Lá, sob aplausos de dezenas de dirigentes presentes, Felipão admitiu que sua volta ao Grêmio se devia à relação quase de pai para filho que construiu com Koff e ao carinho que esperava receber no seio do lar. Reafirmou que não iria treinar clube algum nos meses seguintes. E revelou que os cerca de 15 dias desde o trágico 7 a 1 foram de “sufoco”. 
Ecos do 7 a 1: cinco coletivas e fim de papo

Sufoco, aliás, seriam as entrevistas coletivas a partir daí. Felipão, na realidade, se mostra bastante reservado. Não costuma se manifestar durante a semana e tem falado somente após os jogos, salvo exceções. Também evitou entrevistas exclusivas. Mesmo assim, não escapou das indagações sobre Copa do Mundo em cinco oportunidades (veja respostas no quadro).
Frases Felipão grêmio (Foto: Editoria de Arte)
O momento de maior “revival” sobre o 7 a 1 surgiu logo no seu terceiro duelo. Após estrear com derrota para o Inter - com provocações vermelhos pela goleada na Copa - e vencer o Criciúma, voltaria ao palco do fracasso para a Alemanha a fim de enfrentar o Cruzeiro. Precisou se explicar antes e depois. As respostas foram curtas, ríspidas, indo do "queriam me enterrar, mas não morri" até o "não me encham o saco". Porque Felipão queria mesmo era esquecer o passado recente. O Grêmio era seu esteio e também rota de fuga.
Resolveu se alongar na explanação em 24 de agosto, após vitória sobre o Corinthians na Arena, diante da imprensa paulista, que insistiu diversas vezes no assunto. Voltou a defender todos os atletas e pedindo que “batessem” nele. Depois, jamais voltaria a falar sobre Mundial. Curiosamente, ao encerrar a polêmica, deslanchou, com nove partidas invicto no Brasileirão.

- Eu achei acertado esse comportamento dele, ele sabe que tem que mostrar que não deixou de ser o treinador que ele é. Não poderia ficar para sempre como boi de piranha. De qualquer maneira, não tem argumento a não ser ganhar em campo. Tem que evitar mesmo. É passado, futebol é isso - comenta Bagatini, ex-goleiro do histórico Caxias dos anos 1970, com Felipão na zaga, numa dupla de peso que ia todo o domingo à igreja orar por Nossa Senha do Caravaggio.

Copa do Mundo é assunto evitado inclusive entre amigos, segundo Ben-Hur:

- Eu acredito que sim (que Felipão deve se lembrar todos os dias do 7 a 1). Mas assim como ele deve lembrar dos sucessos. Eu, que não estava lá, lembro todos os dias, mas ele nunca me disse se lembra ou não.
felipão grêmio brasileirão tabela (Foto: Reprodução)Tabela do Brasileirão após a chegada de Felipão - no geral, time é sexto, empatado com o quarto (Foto: Reprodução)


Garotos, caras novas e Barcos

De uma coisa, Ben-Hur se lembra bem. Uma das primeiras perguntas que Felipão fizera ao amigo sobre o Grêmio foi sobre categorias de base. O resultado desse interesse se vê na prática, no campo. Scolari lançou no time nomes como Walace, Ronan, Erik, Nicolas Careca, entre tantos outros.

E sem medo. Walace, por exemplo, foi titular no primeiro jogo, o Gre-Nal 402, no Beira-Rio. Felipão também não se incomodou em sacar Werley e transformar Geromel, antes cercado de desconfiança, um pilar da melhor zaga do Brasileirão. Reatou a parceria com Barcos e ajudou a fazer do criticado centroavante o terceiro artilheiro do Nacional. 

- O Felipe tem um carisma que poucos treinadores têm. Olha o Barcos, por exemplo. Hoje, é um jogador recuperado e que faz falta quando não joga - exalta Bagatini.

- O jogador de futebol precisa disso, de um cara que cobre bastante, mas que também saiba passar a mão na cabeça. O futebol tem linguagem diferente. E essa é uma das virtudes do Felipão, conhecer bem essa linguagem. Desde os 12 anos, um atleta se acostuma a escutar cobranças mais incisivas. O Felipão deixa o ambiente leve e bom de trabalhar. Se ele aparenta ser um pouco mais bravo, também tem esse jeito que deixa todos à vontade. Todos os atletas gostam dele. É um cara bem acessível, não é a toa que conquistou tudo - confirma o zagueiro Bressan, de quase negociado a reserva útil com o treinador.
Números de vice-líder antes do Gre-Nal
Não são só depoimentos de amigos e jogadores que favorecem Felipão. Os números referendam seu bom recomeço após o 7 a 1. Se for tomado como parâmetro um Brasileirão à parte, a contar desde o primeiro jogo de Felipão, seriam 19 rodadas. Nesse período, o treinador só não pontuou mais do que o São Paulo (39 a 35 pontos).

Pelos critérios, vence Cruzeiro e Atlético-MG e está quatro pontos à frente do Inter. O aproveitamento é de 61%, ou seja, desempenho do atual vice-líder. Consagrou o estilo "1 a 0 é goleada". Jogando prioritariamente com três volantes num futebol de muita marcação e pouca inspiração, conquistou seis de suas vitórias em 19 jogos por meio do placar mínimo. Só levou oito gols - ao todo, a defesa tem 18 sofridos e é a menos vazada do Brasileirão.
A explicação dessa animadora recuperação após um fracasso tão rotundo pode encontrar respaldo na psicologia. De acordo com o doutorando e mestre em Psicologia do Esporte da Universitat Autònoma de Barcelona, Maurício Pinto Marques, essa redenção se torna menos complicada ao treinador em relação ao jogador pela natureza de sua função.

- O treinador está mais acostumado a perder do que a ganhar. Faz parte. Como também é de sua natureza seguir com a sua convicção, independentemente do resultado. Até porque ele não pode controlar o resultado, embora possa ter feito um bom trabalho. O grande ator é o jogador, que pode viver anos de um lance. O treinador, não, ele precisa de trabalhos sólidos para sobreviver. A derrota não apaga o currículo do Felipão. Ele é um dos grandes treinadores em atividade. E dá esperança aos gremistas - aponta.
Gilberto Silva beija a taça de campeão do mundo em 2002, ao lado de Ronaldo (Foto: AFP)Gilberto Silva beija a taça de campeão do mundo em 2002, ao lado de Ronaldo (Foto: AFP)
Pensava que ele fosse dar um tempo. Mas, como diz o ditado, nada melhor uma outra bebida para curar a ressaca, né? Ele está se ajustando.
Gilberto Silva

Rubens Minelli e Candinho dão palestra para a Seleção (Foto: Rafael Ribeiro / CBF)Rubens Minelli e Felipão em encontro na Seleção antes da Copa (Foto: Rafael Ribeiro / CBF)
A melhor coisa foi exatamente isso que ele fez, voltar logo a campo. O trabalho que ele está fazendo apaga um pouco a incompetência que atribuíram a ele na Copa
Rubens Minelli

Além dos amigos próximos, personalidades do futebol conhecedoras do trabalho de Felipão e que trabalharam com o treinador veem com bons olhos esse recomeçar.

- A melhor coisa foi exatamente isso que ele fez, voltar logo a campo. O trabalho que ele está fazendo apaga um pouco a incompetência que atribuíram a ele na Copa - confirma Rubens Minelli, mítico treinador tricampeão brasileiro e que tem no currículo uma goleada de 8 a 2, sofrida em seus tempos de Ferroviária, de Araraquara, contra a Ponte Preta.
- Pensava que ele fosse dar um tempo. Mas, como diz o ditado, nada melhor uma outra bebida para curar a ressaca, né? Ele está se ajustando. É muito difícil sair de uma Copa do Mundo da forma como aconteceu. Foi chocante para todos nós, imagina para ele - opina o volante Gilberto Silva, titular com Felipão na campanha do Penta em 2002.

O Gre-Nal 403 é visto exatamente como a chance para sacramentar essa recuperação tão decantada em prosa e números. E, assim, limar rótulos, como o de um treinador “ultrapassado”, que tanto colou após o 7 a 1.

- Ele está adquirindo a segurança novamente. Uma vitória seria consagradora - argumenta o ex-goleiro do Caxias Bagatini. 
Ainda sem clube após saída do Coritiba, Paulo Paixão torce:

- Seria a confirmação dele, após voltar ao clube que lhe deu a oportunidade. Já está mostrando recuperação, está seguro no que está fazendo, no que está falando. Ele é fogo.
globoesporte 

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